Assassinato, protestos, repressão e eleições presidenciais: Donald Trump em seu labirinto


A violência desencadeada em cerca de 150 cidades nos Estados Unidos após o assassinato do afro-americano George Floyd, não é apenas um desafio para o presidente Donald Trump, mas também para Joe Biden, seu oponente nas eleições presidenciais de novembro.

Esta revolta social motivada pelas políticas raciais aplicadas no país torna a próxima campanha presidencial potencialmente uma das mais explosivas da história. Ninguém esquece o vídeo viralizado onde Floyd é visto desesperadamente tentando respirar enquanto um policial branco, Derek Chauvin, o asfixiava com o joelho sobre o seu pescoço.

Trump aumentou a pressão sobre os governadores, depois de uma semana de protestos provocados pela morte de Floyd, exigindo que Nova York convoque a Guarda Nacional para reprimir os “desgraçados e perdedores”. “NYC, ligue para a Guarda Nacional”, tuitou ele. “Os desgraçados e perdedores estão destruindo você. Aja rápido! Não cometa o mesmo erro horrível fatal você cometeu nos asilos”.

Em Nova York, na noite de segunda-feira (1/6), as pessoas quebraram as vitrines das lojas perto do Rockefeller Center e arrombaram a porta da loja de departamentos Macy’s, apesar do toque de recolher, o primeiro que a cidade declarou em décadas. A polícia prendeu cerca de 700 pessoas e informou que vários policiais ficaram feridos.

Exatos 29 estados convocaram a Guarda Nacional, mobilizando mais de 20 mil efetivos para reprimir os tumultos, mas Nova York não é um deles. De Blasio, prefeito da cidade, disse que não quer a Guarda Nacional, e o governador Andrew Cuomo confirmou que não a chamará se o prefeito não o desejar.

Cor da pele

A cor da pele nos Estados Unidos é motivo de suspeita e assassinato. O prefeito de Minneapolis, Jacob Fray, disse que “ser negro na América não deve ser uma sentença de morte”. Mas é. De acordo com o Malcolm X Base Movement, uma mulher, homem ou criança negra é assassinada extrajudicialmente nos Estados Unidos a cada 28 horas.

Taliba Obuya, membro do Movimento Malcolm X, disse que “existem muitos motivos para o protesto. As pessoas estão indignadas, magoadas, doentes e cansadas de estar assim”, citando uma frase de Fannie Lou Hamer. Outra razão é a solidariedade pelo assassinato de George Floyd e de tantos outros assassinatos extrajudiciais de negros por policiais e seguranças racistas brancos.

Ele lembrou que, em 7 de maio, Sean Reed foi morto em Indianápolis, e seu assassinato foi transmitido por ele mesmo no Facebook Live. A polícia atirou 13 vezes. Em 13 de março, em Louisville, Breonna Taylor foi morta em sua casa pela polícia. Eles invadiram sua casa procurando um suposto fugitivo, confundiram a casa e a assassinaram. Em 23 de fevereiro, em Brunswick, Ahmaud Arbery foi morto por dois homens brancos, pai e filho, enquanto fazia jogging em sua vizinhança. “Então, essa raiva é justa”, acrescentou Obuya.

“Assim como as comunidades negras e pardas vivem sob a infraestrutura imperialista supremacista branca opressora na qual os Estados Unidos foram fundados, a resposta à covid-19 não foi diferente. No início, algumas organizações estavam rastreando as taxas de mortalidade. Como os resultados continuaram mostrando o impacto desproporcional sobre os negros, eles pararam de rastrear por raça”, relatou Obuya.

Em abril, os negros constituíam 30% da população da Geórgia, 36% dos casos confirmados de covid-19, e 50% dos casos fatais.

Eleições presidenciais

Para felicidade de Trump, Minneapolis é uma cidade amplamente democrática, em um estado que muitas vezes apoia esse mesmo partido. Ao fazer isso, ele concentrará sua campanha em destacar o fracasso dos líderes democratas locais em responder às necessidades dos eleitores negros.

Certamente, argumentará que décadas de política democrata em Minnesota (que inclui os oito anos do governo Obama) fizeram de Minneapolis uma das cidades mais diversificadas racialmente do país. Em 2016, ele perguntou aos afro-americanos se os líderes democratas haviam feito alguma coisa para melhorar suas vidas. E, provavelmente, repetirá essa estratégia nos próximos meses.

Biden deve ser capaz de convencer os norte-americanos de que ele é o líder mais eficaz em um período como esse, em momentos em que ainda há pesquisas que dão aos democratas uma ligeira vantagem sobre os republicanos.

Mas a verdade é que os democratas não foram capazes de mostrar um discurso unitário, e o desafio de Biden é manter a lealdade do voto afro-americano, evitando assumir a responsabilidade pelos problemas socioeconômicos das políticas democratas em cidades como Minneapolis.

Os Estados Unidos precisam escolher entre continuar com o líder vaidoso no poder ou optar por um candidato que não consegue se atualizar sobre o contexto do país.

Forças Armadas contra o povo

Nada poderia ser mais provocativo no cenário social descontrolado dos Estados Unidos atual do que o anúncio de Trump de acionar as Forças Armadas contra o que ele chamou de “terrorismo doméstico”, e que é, na maioria das vezes, uma série de mobilizações pacíficas em repúdio ao assassinato realizado em Minnesota, cometido por policiais locais, dos quais apenas um foi formalmente acusado de homicídio culposo.

Ataques a edifícios – a delegacia de Minneapolis e a Capela de Saint John, localizada em frente à Casa Branca –, empresas e veículos policiais proliferaram em algumas cidades, mas a parte substancial da violência foi causada pelas forças de segurança do Estado, reprimindo manifestantes pacíficos e agredindo transeuntes e desavisados.

Trump está enfrentando o que parece ser a maior crise vivida pelos Estados Unidos em muitos anos e deve ter passado a noite de domingo no abrigo subterrâneo da Casa Branca, que não era usado desde 19 de setembro de 2001.

A verdade é que os americanos não se uniram para combater o vírus, mas permitiram que a catástrofe da saúde intensificasse as divisões raciais, econômicas, regionais e ideológicas, que Trump costuma aproveitar. Hoje, a magnitude das duas crises define uma presidência em crise, mas os analistas especulam que ele encontrará uma maneira de usar essas duas tragédias em proveito próprio, e complicar as coisas para Biden.

Se a negação de Trump da pandemia de coronavírus, que já matou mais de 105 mil pessoas no país, não foi uma dificuldade suficiente para o discurso dos direitos civis, os eventos de Minneapolis podem muito bem se tornar o eixo da próxima campanha eleitoral. Os críticos de Trump o atacaram em ambas as questões, dada a negligência e a incapacidade de liderar efetivamente o país em tempos de crise.

O bispo de Washington, Mariann Budde, condenou o discurso do presidente, o abuso de símbolos sagrados, apontando que tudo o que ele disse e fez foi inflamar a violência. O absurdo presidencial exacerbou a crise da saúde, que levou ao colapso social e econômico, deixando mais de 50 milhões de estadunidenses desempregados.

Um editorial do jornal mexicano La Jornada diz que os Estados Unidos parecem estar à beira de um abismo de consequências incalculáveis %u20B%u20Bpara sua própria população, mas também para o resto do mundo, e parece improvável que a imprudência que prevalece na Casa Branca contribua para evitar uma catástrofe. E, no entanto, talvez nada disso prejudique Trump em sua corrida pela reeleição.

“O racismo não acabou nos Estados Unidos. Acabar com o racismo significa acabar com o capitalismo, que começou com o ataque genocida aos povos indígenas”, diz Obuya. Para acabar com o racismo, é necessário um desmantelamento completo de todos os sistemas que protegem a infraestrutura do poder, começando pelo sistema penitenciário, o educativo, o sistema de saúde e, obviamente, o sistema econômico.

“A nação oprimida de descendentes de africanos escravizados precisa de uma transformação, um processo de verdade, de reconciliação, e depois um apelo a um plebiscito para responder à questão da autodeterminação. As estruturas atuais em vigor servem apenas para manter o status quo”, concluiu a militante negra.

Mirko C. Trudeau é economista do Observatório de Estudos Macroeconômicos de Nova York e analista de temas sobre os Estados Unidos e a Europa, associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

*Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

Fonte: Carta Maior

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