Empresa no Panamá e conta na Suíça unem Serra e filha em lavagem


Um terço de 936 mil euros em propina da Odebrecht para o “vizinho” foi simulado como negócio com obras de arte

JOSÉ SERRA (FOTO: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL)

Aos 78 anos, o senador José Serra (PSDB-SP) está no ocaso da vida pública e, como nota quem o vê no Congresso, vai mal da saúde. Agora é acusado na Justiça pelo crime de lavagem de dinheiro, uma denúncia da Operação Lava Jato, atualmente em guerra com o procurador-geral da República, Augusto Aras. E, pior: sua filha mais velha, Verônica, de 51 anos, está tão ou mais enrascada.

Verônica é a pessoa por trás de uma empresa no Panamá, um paraíso fiscal, e de uma conta desta firma em um banco suíço, outro paraíso, usadas para lavar propina recebida pelo pai, conforme o Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Essa teia teria garantido à família Serra 936 mil euros, o equivalente a 5,5 milhões de reais ao câmbio do dia da denúncia, 3 de julho.

A empresa no Panamá é a Dortmund International. Foi aberta em 5 de dezembro de 2003, época em Serra era o chefe nacional do PSDB, posto ocupado após ele ter sido derrotado no ano anterior pelo petista Lula na eleição presidencial. A data consta dos dados cadastrais da conta Firenze, controlada pela Dortmund no banco Arner, na Suíça.

O administrador oficial da conta era um uruguaio, Francisco Ravecca, mas na ficha do banco sobre a Firenze, há uma procuração que dá a Verônica Allende Serra poderes para gerir e representar a conta. A papelada tem mais coisa sobre a filha do senador: data de nascimento (30 de maio de 1969), cópia do passaporte italiano (seu avô paterno era da Itália) e uma análise de riscos de Verônica enquanto cliente, com data de 30 de julho de 2013. Detalhe: José Serra foi analisado junto.

Em 12 de novembro de 2007, Verônica pediu por e-mail ao banco Arner para trocar Ravecca como administrador da conta por uma pessoa chamada Ariel Aisiks. Alguém da instituição financeira ligou para ela, para checar se o pedido era verdadeiro ou fraude. Há ainda uma anotação guardada no banco segundo a qual alguém de nome Paolo havia conhecido Verônica e gostado dela.

Todas essas informações foram apontadas, pelo MPF, na acusação de lavagem de dinheiro contra Serra e Verônica para provar que a filha do senador é a real dona tanto da empresa Dortmund International quanto da conta Firenze. Foram obtidas na Suíça pelos procuradores da Lava Jato, graças à colaboração das autoridades de lá.

Foi através dessa conta bancária que, segundo a denúncia, Serra lavou dinheiro de propina recebida da Odebrecht, um total de 936 mil euros, valor que os investigadores pedem que seja devolvido, com juros e correção, a título de indenização.

Os 936 mil saíram de contas internacionais controladas por José Amaro Pinto Ramos, empresário amigo de Serra e um operador dos subornos da Odebrecht. O senador teria cobrado certa propina da empreiteira no fim de 2006, após eleger-se governador de São Paulo. Teria sido através de Pedro Novis, ex-executivo da Odebrecht que se tornou delator. Serra e Novis eram vizinhos em São Paulo.

No sistema eletrônico da empreiteira sobre propinas, há pagamentos ao codinome “vizinho”. Seria Serra. Em e-mails de Marcelo Odebrecht, líder da companhia, havia junto a “vizinho” palavras como “contato do Pedro Novis” e Dersa, a estatal paulista responsável pelo Rodoanel, obra da qual a empreiteira participa e teve valores renegociados logo que Serra chegou ao governo, em 2007.

Essa renegociação teve favores à Odebrecht e propina a tucanos, segundo o MPF, e estaria na origem de parte do dinheiro que o senador teria lavado no exterior. Os 936 mil euros que entraram na conta Firenze, na Suíça, e seriam propina a Serra para ser lavada saíram de contas de Amaro Pinto, que por sua vez tinha recebido a grana de empresas controladas pela Odebrecht no exterior.

Os 936 mil euros chegaram à conta Firenze em cinco depósitos de contas de empresas controladas por Amaro. Em 31 de março de 2006, 326 mil da empresa Hexagon. Em 28 de julho de 2006, 75 mil da Sofidest. Em 27 de setembro daquele ano, mais 135 mil da mesma firma. Em 20 de dezembro de 2006, 250 mil da Circle. E em 19 de fevereiro de 2007, 150 mil dela de novo.

A transferência dos 326 mil da Hexagon em março de 2016, o equivalente a um terço dos 936 mil, contem uma “chamativa anotação”, conforme o MPF: Four Portinari Acquisitions. Tradução literal: aquisições quatro Portinari. Parece uma referência a quadros do pintor brasileiro Cândido Portinari.

“A anotação chama atenção porque, em primeiro lugar, o mercado de obras de arte integra os chamados ‘setores sensíveis’, marcados por numerosas operações de lavagem de ativos”, afirma a denúncia contra Serra. Além disso, prosseguem a acusação, a Dortmund, controlada pela filha de Serra, “aparentemente” não tem “relação com esse tipo de atividade” (obras de arte).

Firenze, o nome da conta suíça da Dortmund, é o nome italiano da cidade de Florença, famosa por abrigar obras de arte e arquitetura do tempo do Renascimento.

Diante da acusação do MPF, só um milagre fará Serra renascer.

Fonte: CartaCapital

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