Judiciário Brasileiro é o mais caro do Ocidente, diz pesquisador da UFRG


Poder Judiciário brasileiro é o mais caro dos países do Ocidente, diz pesquisador da UFRG. Por Willy Delvalle

Se o juiz Mirko Vincenzo Giannotte não está “nem aí” diante das reações ao meio milhão de salário que recebeu, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Claudio Lamachia escreveu no Twitter que “o teto constitucional é uma ficção, um verdadeiro faz de conta! E depois se fala em aumento de impostos. Pobre Brasil”

Pobre para quem? Enquanto o país vem enfrentando uma dramática queda na arrecadação nos últimos anos, o orçamento do Poder Judiciário no Brasil só viu crescimento, como mostra o gráfico abaixo, que apresenta parte do orçamento.

De acordo com uma pesquisa coordenada por Luciano Da Ros, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “o orçamento destinado ao Poder Judiciário brasileiro é muito provavelmente o mais alto por habitante dentre todos países federais do hemisfério ocidental”:

pesquisa, publicada em 2015, aponta que o conjunto de instituições do sistema de justiça tem um custo muito alto para a sociedade brasileira. Justiça Estadual, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral são seus “ramos”. Seus níveis hierárquicos vão da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), passando pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Comparável ao orçamento anual do (então) Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, esta quantia é também maior do que o Produto Interno Bruto (PIB) de doze estados brasileiros considerados individualmente”, aponta o levantamento.

A pesquisa menciona os dados do relatório “Justiça em Números” (CNJ): “que não inclui os dados orçamentários do STF e do próprio CNJ, esta ‘despesa é equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, 2,7% do total gasto pela União, pelos estados e pelos municípios no ano de 2013 e a R$ 306,35 por habitante’”.

Outro estudo, apresentado este ano por Luciana Zaffalon, advogada e doutora em Administração Pública e Governo pela FGV, mostra que enquanto o custo do Judiciário é financiado pelo povo, os salários ficam vão para as mãos de uma elite. Quem ganha por mês um valor como o teto constitucional, aponta, com base em dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), é cerca de 0,8% da população brasileira.

Só que quem recebe o equivalente ao teto no Ministério Público de São Paulo, por exemplo, é uma minoria. A pesquisa revela que são 3,1% dos promotores. Todo o “restante” ganha mais, numa média que gira em torno de R$ 46 mil por mês, inclusive os juízes.

Há tempos

Nelson Marconi, coordenador Executivo do Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas e autor de um levantamento do ano passado que encontrou salários de desembargadores próximos a R$ 200 mil, afirma que os exageros do Judiciário não vêm de hoje.

“O Judiciário, no geral, sempre teve uma política remuneratória feita com uma certa autonomia. Antes da reforma constitucional de 1998, eles podiam, por exemplo, se autoconceder aumentos salariais sem passar necessariamente pelo Congresso, através de Resolução. Havia uma liberdade muito grande”, explica.

Agora o governo Temer quer fixar tetos e cruzar dados para coibir acumulações salariais dos servidores da União.

“Não consigo entender por que é que eles vão fazer essa lei se a Constituição já diz isso. De alguma forma, tem alguma brecha jurídica que estão utilizando para considerar o auxílio como fora daquilo que está na Constituição, que já prevê tudo”, afirma Marconi.

O professor observa que a lei é burlada por meio de vantagens pessoais ou auxílios “que eles interpretam como fora do teto. Muitas vezes, a manobra que eles usam para poder aumentar a remuneração deles é esse tipo de benefício”.

Marconi exemplifica com um caso do Mato Grosso. “Eu li que eles iam começar a pagar aula de ginástica para os juízes. Esse tipo de coisa você não consegue incorporar no teto. Não é um pagamento em salário. É um benefício, como um carro que você está concedendo para a pessoa, um motorista… Não tem como você saber o tamanho desse benefício”, analisa.

O economista esclarece que esse auxílio é caracterizado como despesa de custeio, não de pessoal, o que prejudicaria a transparência e ajudaria os excessos.

“Não quero dizer que todos os juízes querem agir de má fé, muito pelo contrário. Mas se em algum caso alguém quiser praticar esse procedimento de encaixar mais auxílios, consegue. Você só divulga no Portal da Transparência o que é salário, o resto é auxílio, não é despesa com pessoal”, diz.

Para ele, parte do Judiciário confunde a função do serviço público com o privado. “Se você vai para o setor público, a lógica é outra. Defender o Estado, o cidadão. Ter-se-á uma remuneração razoável, mas não se pode querer ganhar o mesmo que num escritório privado”.

E que é assim que encontramos valores acima do teto, portanto inconstitucionais (em tese). “A questão é que, na interpretação deles, determinadas parcelas da remuneração não estariam sujeitas ao teto. Ninguém está recebendo sem uma interpretação por trás da Constituição”, afirma.

Por transparência

Para Nelson Marconi, o Judiciário tem uma autonomia administrativa que precisa ser limitada. Para isso, ele defende a criação de uma espécie de Conselho de Remuneração.

“Uma comissão remuneratória com gente de fora do setor público, tanto pra fixar a remuneração, quanto pra coibir esse tipo de coisa (excessos salariais), que fosse outorgar o dever de fiscalizar a remuneração dos três poderes”, defende.

O professor propõe que os conselheiros sejam externos ao serviço público por uma questão de imparcialidade. “Se é o próprio órgão que resolve se aquilo que deve ser pago para eles próprios, está-se deixando a raposa tomar conta do galinheiro”, diz.

Acredita, no entanto, que uma proposta desse tipo enfrentaria grande resistência. “Eles vão entrar num embate. Não há interesse nesse tipo de controle”.

Posicionamentos

A nossa reportagem questionou os cinco tribunais regionais federais do país sobre os magistrados que receberam valores acima do teto constitucional.

TRF4

Em nota, o  Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que engloba os três estados do Sul, nega que as regras do teto constitucional sejam descumpridas. “As eventuais verbas  recebidas acima do teto constitucional dizem respeito às exclusões da incidência, previstas no artigo 8º da Resolução nº 13:

Art. 8º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:

I – de caráter indenizatório, previstas em lei:

a) ajuda de custo para mudança e transporte;

b) auxílio-moradia;

c) diárias;

d) auxílio-funeral;

e) (Revogada pela Resolução nº 27, de 18.12.06)

f) indenização de transporte;

g) outras parcelas indenizatórias previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal.

II – de caráter permanente:

a) remuneração ou provento decorrente do exercício do magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal; e

b) benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas.

III – de caráter eventual ou temporário:

a) auxílio pré-escolar;

b) benefícios de plano de assistência médico-social;

c) devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidos;

d) gratificação pelo exercício da função eleitoral, prevista nos art. 1º e 2º da Lei nº 8.350, de 28 de dezembro de 1991, na redação dada pela Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005;

e) gratificação de magistério por hora-aula proferida no âmbito do Poder Público;

f) bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório.

IV – abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária, conforme previsto no art. 40, § 19, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003.

Parágrafo único. É vedada, no cotejo com o teto remuneratório, a exclusão de verbas que não estejam arroladas nos incisos e alíneas deste artigo”, menciona a nota.

TRF5

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, da área entre Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, se posiciona de modo semelhante. Diz que as informações sobre remuneração são constantes em seu site. Afirma zelar para que magistrados e servidores não recebam valores remuneratórios acima do teto constitucional.

Explica que a remuneração deles é composta por “uma parcela fixa de subsídios (Lei nº 10.474/2002) e da Gratificação por Acúmulo de Jurisdição (GAJU), que estão sujeitas ao teto estabelecido no artigo 37, XI, da Constituição Federal”.

Ressalta que a GAJU está prevista na Resolução nº 341/2015, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e dispõe sobre a gratificação por exercício cumulativo de jurisdição de que trata a Lei nº 13.093/15, na Justiça Federal de 1º e 2º graus.

Observa, contudo, que o pagamento de indenizações como auxílio-moradia e diárias não está submetido ao valor do teto constitucional. “O auxílio-moradia é direito estabelecido na Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979, art. 65, II) e regulamentado pela Resolução nº 199/2014 do CNJ, que reconhece sua natureza indenizatória. É valor pago a todos os membros dos Poder Judiciário (ministros, desembargadores e juízes) e do Poder Legislativo e a membros do Tribunal de Contas da União que não disponham de residência oficial”, argumenta.

Explica que alguns magistrados também recebem “o abono permanência, instituído pela Emenda Constitucional 41/2003 e que corresponde ao valor da contribuição previdenciária mensal do servidor que o requerer, desde que tenha cumprido os requisitos para aposentadoria e opte em permanecer em atividade”.

Reconhece que “em determinados meses será possível observar alguns valores que podem elevar a remuneração acima do teto constitucional, considerando antecipação salarial em razão de férias, 13º salário e 1/3 constitucional de férias”.

Afirma, no entanto, que as “antecipações, por sua própria natureza, são deduzidas nos meses subsequentes e os demais valores, segundo interpretação pacífica dos tribunais superiores, são direitos dos trabalhadores e não vantagens pessoais, razão pela qual não são somadas à remuneração mensal para fins de limitação ao teto constitucional”. O TRF5 defende ser favorável à transparência de valores pagos aos integrantes dos três poderes.

Abrangendo o estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região enviou nota praticamente idêntica.

TRF1

No Tribunal Regional Federal da 1ª Região (norte, Distrito Federal, Bahia, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás), encontramos dois juízes que receberam valores acima do teto, Jirair Aram Meguerian (R$ 35.900,01) e João Luiz de Souza (R$ 35.386,50).

O primeiro justificou o valor. Em nota, disse que seus vencimentos de maio incluem “R$10.157,04, além do subsídio normal, referente a 1/3 de adicional de férias, antecipação relativa ao mês de junho”.

Ele reforça que o adicional de férias é para todos, “sejam trabalhadores privados, sejam públicos, tem expressa previsão na Constituição Federal desde 1988”.

“Nos demais meses, excluídos os de férias, recebo dentro dos limites do teto constitucional do subsídio de Ministro do Supremo”, afirma.

O TRF1 não explicou por que não apresenta as folhas de pagamento de junho e julho no mesmo espaço onde estão a de maio e anteriores.

TRF2
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) não se manifestou sobre os casos encontrados acima do teto constitucional.

CNJ

Questionado sobre o tema, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou nota em que a presidente do Conselho, a também ministra e presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia, estipula um prazo de dez dias para que todos os tribunais do país enviem cópias das folhas de pagamento aos magistrados, entre janeiro e agosto deste ano, “especificando os valores relativos a subsídio e eventuais verbas especiais de qualquer natureza”.

Informa que, a partir de setembro, os tribunais terão cinco dias depois de pagar os magistrados para divulgar “amplamente” aos cidadãos as cópias das folhas de pagamento.

“A presidência do órgão providenciará a adoção de medidas específicas pela Corregedoria Nacional de Justiça para tomar providências em caso de descumprimento das normas constitucionais e legais em pagamentos realizados sem o fundamento jurídico devido”, afirma.

O TRF5 está providenciando as informações solicitadas pela Ministra Cármen Lúcia.

 

Fonte: DCM

 

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