Lei Paulo Gustavo, hora de entender e planejar
O Projeto de Lei Paulo Gustavo (PLP 73/21) virou Lei. No dia 5 de julho de 2022, 66 senadores e 356 deputados foram favoráveis à derrubada do veto em sessão do Congresso Nacional e na sequência promulgou-se a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022 [1], que pode destinar aproximadamente R$ 3,8 bilhões para a economia da Cultura.
Este texto pretende contribuir com gestores e ‘fazedores’ da Cultura a compreenderem um pouco da Lei, seus prazos e seus objetivos. É hora de iniciar o planejamento para a correta implementação de seus mecanismos, considerando-se especialmente a coincidência do momento kadıköy escort eleitoral.
O primeiro passo – que merece destaque especial – é que os entes federativos deverão apresentar plano de ação em até 60 dias depois de aberta a Plataforma +Brasil. Este plano deve indicar quais linhas de ação o ente federativo pretende implementar com plano de trabalho, sob pena de ser redistribuído aos demais entes. As categorias – cujas ações devem estar indicadas na plataforma – e os valores máximos a serem investidos são os seguintes:
i. até R$ 1.957.000.000 (um bilhão, novecentos e cinquenta e sete milhões de reais) para apoio a produções audiovisuais, de forma exclusiva ou em complemento a outras formas de financiamento;
ii. até R$ 447.500.000 (quatrocentos e quarenta e sete milhões e quinhentos mil reais) para apoio a reformas e a manutenção de salas de cinema, sejam elas públicas ou privadas, incluídos aqui cinemas de rua e itinerantes;
iii. até R$ 224.700.000 (duzentos e vinte e quatro milhões e setecentos mil reais) para formação no audiovisual, apoio a cineclubes e à realização de festivais e mostras de produções audiovisuais, realização de rodadas de negócios para o setor audiovisual e para a preservação e a digitalização de obras audiovisuais, ou ainda apoio a observatórios, publicações e pesquisas sobre audiovisual;
iv. até R$ 167.800.000 (cento e sessenta e sete milhões e oitocentos mil reais) para apoio às microempresas e às pequenas empresas do setor audiovisual;
v. até R$ 1.065.000.000 (um bilhão, sessenta e cinco milhões de reais) para apoio às demandas da cultura que não o audiovisual.
A União, por sua vez, deve realizar o repasse em até 90 dias da promulgação da lei, em conta bancária específica via Plataforma +Brasil. Este recurso tem natureza de repasse legal, ou seja, não haverá necessidade de formalização de convênio, contrato de repasse ou assemelhados. Após esta descentralização, deverão os Municípios (em 180 dias) e Estados (em 120 dias) realizar a adequação orçamentária (art.16, II, Lei de Responsabilidade Fiscal) [2], com a eventual criação de crédito suplementar, especial ou extraordinário.
Outro ponto importante é o disposto no art. 22, que determina a execução dos recursos desta Lei até 31 de dezembro de 2022. Todavia, possibilita (§ 1º) – prorrogação automática por prazo equivalente ao do período em que não foi possível executar os recursos, caso haja algum impedimento em função da legislação eleitoral. Ou seja, na prática isso significa que os entes federativos devem – no mínimo – empenhar os recursos, pois seria um marco inicial desta execução orçamentária.
Todavia, é possível que o repasse em si possa sofrer prorrogação em decorrência de vedações eleitorais (art. 73, inciso VI, alínea “a”, e cf. § 10, Lei nº 9.504, de 1997). Destaque-se que esta questão pode sofrer alteração em situações de emergência ou estado de calamidade pública durante a ocorrência do evento (TSE, CTA nº 1.119, Resolução nº 21.908, de 31/08/2004, relator Ministro Francisco Peçanha Martins). Ou seja, planejar imediatamente é necessário.
Vale salientar que a execução por parte do ente federativo não inviabiliza – por exemplo – a existência de obrigações futuras por parte da sociedade civil. Por exemplo, um termo de colaboração que tenha sido orçamentariamente repassado em parcela única até esta data permitirá a este o cumprimento de suas ações, desde que observado os prazos de prestação de contas para com o ente que realizou o Chamamento.
Outra possibilidade seria o patrocínio a um projeto de audiovisual cuja produção ainda esteja em andamento e sua finalização só ocorra posteriormente. Estas e outras estratégias devem ser avaliadas com profissionais especialistas da área, pois cada uma gera obrigações entre as partes, desde a concepção de seu processo de ampla concorrência até a efetiva comprovação do resultado.
A prestação de contas dos entes federados para com a União será a priori de 24 meses após o repasse. A grande inovação neste quesito são as novas possibilidades. Observadas algumas cautelas legais, pode se dar por relatório após visita in loco, como forma de monitoramento pela equipe da Administração Pública. Esta modalidade é excelente para projetos com poucos recursos e dificuldades técnicas na elaboração de relatório. É possível haver prestação de informações com base em relatório exclusivamente de execução do objeto.
A prestação de contas com relatórios de cumprimento de objeto e de execução financeira poderá ser aplicada a projetos mais complexos e devem ser cobrados quando não for comprovado o cumprimento do objeto, ou quando houver denúncia de irregularidade sobre a execução da ação cultural.
Uma outra conquista é o dispositivo que altera a Lei Rouanet para impedir os superávits financeiros do Fundo Nacional de Cultura de modo que sejam utilizados para abater a dívida pública. Isto evitará manobras financeiras e potencializará os recursos para a categoria. Por fim, espera-se o fortalecimento das cadeias da economia da Cultura.
É preciso planejar de modo a fortalecer a autonomia de trabalhadores e trabalhadoras da Cultura, grupos, entidades e empresas culturais, impulsionando sua capacidade de gerar renda. A Lei Paulo Gustavo, inclusive, permite que os recursos suplementem valores previstos em Editais, desde que eles mantenham correlação com os objetivos da lei e que mantenham, com recursos de orçamento próprio, no mínimo, o mesmo valor aportado em edição anterior.
A ideia é justamente consolidar políticas públicas não apenas para a situação emergencial. É preciso fortalecer a sustentabilidade das cadeias produtivas e esta lei representa uma boa oportunidade para tal.
*André Brayner é mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), com atuação científico-jurídica preponderante nos campos relacionados ao Direito Internacional, Direitos Culturais e Terceiro Setor, professor de Direito e diretor do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)