Estado mínimo mal passado


Uma receita à base de carne humana

As Reformas impostas ao povo brasileiro atualmente não são tão originais assim; datam da década de 1940. Preparadas durante a Guerra Fria nas cantinas financeiras dos Estados Unidos da América (EUA) passaram a ser servidas ao mundo “multipolar” mediante coerção militar costumeira após a simbólica queda do muro de Berlin.

Dois objetivos já pareciam bastante óbvios desde aquela época: de um lado, globalizar as riquezas dos países do Sul e, de outro, globalizar as crises dos países do Norte.

Essas diretrizes econômicas visavam substituir o domínio territorial pelo domínio econômico. Na balança da história, duas Guerras Mundiais serviram para ensinar que talvez o mundo não suportasse uma terceira, mas também serviu de aprendizado sobre a viabilidade de dominar povos pelo mundo através da expansão do capital produtivo e financeiro, na medida em que, do ponto de vista da soberania interna, os povos se mostraram dispostos a morrer como camicases para defendê-la, e, do ponto de vista da soberania externa, a atuação com significância internacional estaria restrita aos países economicamente aptos.

A multipolaridade econômica se descortinava e não restavam mais dúvidas de que o poder econômico internacional superaria o poder político dos países do Sul tomados individualmente ou em blocos. Eis o novo mecanismo de controle que implicaria nova divisão do globo.

Esse contexto deu respaldo à implantação das diretrizes neoliberais elaboradas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Dentre os ingredientes da receita: (1) abertura econômica; (2) economia de mercado; (3) controle fiscal macroeconômico; (4) redução do gasto primário; (5) desoneração fiscal para empresas; (6) privatização de empresas estatais; (7) abertura para o capital estrangeiro; (8) desregulamentação das leis trabalhistas e, mais tarde, das leis ambientais.

Faltava, neste momento, testar em larga escala a eficácia desse poderoso veneno socioeconômico traduzido na expressão “estado mínimo”.

Apesar de a cartilha neoliberal, à época, ser objeto de difusão pelo mundo, a implantação desse experimento no Chile durante 15 anos da ditatura militar de Augusto Pinochet elevou a propagação a um nível exponencial, afinal, havia um exemplo concreto com bons resultados econômicos, apelidados de “Milagre do Chile”.

Logicamente, os resultados sociais de pobreza, marginalização, concentração de riqueza e submissão do poder político interno ao poder econômico estrangeiro não faziam parte da publicidade neoliberal.

Com a entrada do capital estrangeiro e com a quase extinção do aparato estatal os agentes econômicos da produção e da especulação fizeram aquilo que a concepção capitalista determinava e ainda hoje determina. O aperfeiçoamento dos mecanismos de concentração de riqueza mediante exploração do trabalhador era iminente. E assim, a partir da década de 1990, a América latina passou a ser conduzida por ideais preponderantemente econômicos neoliberais em prejuízo de seu povo, sem a necessidade de uma interpelação militar ostensiva vinda do exterior.

No Brasil, por exemplo, em 1990, Fernando Collor sanciona a Lei 8.031/1990 criando o “Programa Nacional de Desestatização (PND)”. Em 1997, Fernando Henrique Cardoso (FHC) sanciona a Lei 9.491/1997, com a finalidade de “modernizar” o PND. No início dos anos 2000, o Governo de FHC passa a debater seriamente sobre a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No período entre 2010 e 2015, o Governo Dilma Rousseff concede volume extraordinário de desoneração fiscal empresarial (R$ 450 Bilhões, aproximadamente). Em 2016, Michel Temer rompe o processo democrático e implanta o abrupto programa “Ponte Para o Futuro” com medidas reducionistas do estado e da proteção social, previdenciária e trabalhista.

Interessante notar nessa trama que, com a participação do capital estrangeiro bem como com a possibilidade de distribuição de “títulos podres” pelo mundo, passamos a vivenciar uma verdadeira globalização das crises, a exemplo da Crise do Subprime em 2008, quando os EUA “socializaram” para o mundo os seus riscos hipotecários. Paralelamente, contudo, não se vê na mesma escala a globalização do sentimento humanitário, por exemplo, na aceitação de refugiados pelos próprios EUA.

Questão intrigante que fica no ar é: já que nós brasileiros vivemos um globalizacionismo de conveniências, e estamos do lado mais fraco no xadrez da geopolítica, valerá a pena empobrecer ainda mais as camadas populares matando-as de fome para forçar a redução da demanda e controlar a inflação?

Afinal de contas, jogar no campo da lógica neoliberal assim como controlar a inflação no país com a maior taxa básica de juros do mundo é coisa que gringo aprecia, apesar do alto custo social interno dessa foto nas capas de revistas internacionais.

Enfim, a globalização pinta um quadro de conveniências macroeconômicas onde a própria vida humana passa a ter caráter instrumental, apesar de a condição humana preceder a nacionalidade e os relatórios de índices técnicos. É preciso resgatar a concepção de que o poder político interno é superior ao poder econômico externo, pois aquele, com todas as dificuldades democráticas, pode ser alterado periodicamente, enquanto este parece se valer de sua capacidade adaptativa para imutabilizar sua superioridade.

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