Partidos veem risco de Bolsonaro tentar golpear eleição, e autoridades se calam
Oposição e legendas independentes avaliam, na maioria, que sinalizações antidemocráticas do presidente têm que ser levadas a sério
A maioria dos principais partidos de oposição e independentes afirma que os recentes ataques de Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e a ministros das cortes superiores representam um comportamento golpista que precisa ser levado a sério.
A Folha procurou nos últimos dias os chefes dos três Poderes, de tribunais superiores, do Ministério Público Federal e dos principais partidos políticos, além dos presidenciáveis e entidades representativas do empresariado e da sociedade civil.
Nenhuma das autoridades da República quiseram se manifestar sobre o assunto, entre elas os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, além do chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras.
Esses políticos concordam que o país deve se preocupar com a possibilidade de o presidente tentar golpear as eleições. Eles se dividem, entretanto, ao serem questionados se isso representa que as eleições estejam sob risco. Gleisi, Tebet, d’Ávila e Vera Lúcia dizem que sim, e os demais, que não.
Já o presidente do PSD, Gilberto Kassab, marcou na enquete elaborada pela Folha a opção de que as declarações do presidente da República são apenas blefe, em sua avaliação, mas que mesmo assim o país deve se preocupar com a possibilidade de Bolsonaro tentar golpear as eleições.
Somente o presidente do PSC, Marcondes Gadelha, marcou a opção de que Bolsonaro faz críticas dentro de sua liberdade de expressão e assim o tema deve ser tratado.
Os partidos que comandam o centrão (PP, PL), grupo que dá sustentação ao governo, não responderam, assim como outros pré-candidatos à Presidência.
Além das autoridades e políticos, a Folha fez os mesmos questionamentos a entidades representativas do empresariado e da sociedade civil. De 12 entidades, 2 responderam.
Entre as que silenciaram estão a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Bolsonaro têm mantido desde a campanha de 2018 um discurso em que, sem nenhuma prova, coloca dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro. Em várias ocasiões ele deu a entender que não aceitará outro resultado que não seja a sua vitória em outubro.
No último dia 5, por exemplo, afirmou que uma empresa será contratada pelo PL, o seu partido, para fazer uma auditoria privada das eleições deste ano. E sugeriu, em tom de ameaça, que os resultados da análise podem complicar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se a empresa constatar que é “impossível auditar o processo”.
À Folha a pré-candidata Simone Tebet afirma que a base do discurso golpista de Bolsonaro está nas fake news (como de que há o inimigo comunista a ser combatido ou nos questionamentos infundados à ciência) e que essa é uma tentativa dele de corroer as instituições democráticas.
“Ele conseguiu colocar uma instituição contra as outras e a sociedade contra as instituições. Ele busca fragilizar o Judiciário, porque é o STF tem o poder nato de dar a palavra final na análise da legalidade e constitucionalidade dos atos”, afirma a emedebista.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas, não respondeu à Folha, assim como Ciro Gomes (PDT), que está em terceiro, e que em live na semana passada cobrou união entre os presidenciáveis para denunciar as evidentes indicações de que há um golpe antidemocrático em elaboração por Bolsonaro.
Carlos Siqueira, presidente do PSB, diz concordar que o Judiciário tem sido um “bastião” de proteção à democracia nesse contexto e diz que sua maior decepção é com a atuação da Procuradoria-Geral da República.
Afirma ainda que não vê chance de os militares embarcarem no discurso golpista enquanto a defesa da democracia for a opinião hegemônica da sociedade em geral.
“Acho que, no meio militar, o Bolsonaro deu passos importantes quando destituiu o ministro da Defesa e trocou os três comandantes, que eram explicitamente defensores da legalidade e do respeito à Constituição, e colocou três nomes e um ministro da Defesa aliados incondicionais seus.”
“Não é suficiente para cumprir o intuito dele, mas são passos importantes, porque, se um dia a maioria da sociedade apoiá-lo, ele teria os dispositivos militares dispostos a acompanhá-lo”, afirma Siqueira.
O presidente da União Brasil afirmou ter convicção de que é preciso estar atento e que a situação é preocupante.
“A gente espera que tanto a sociedade civil, quanto a classe política e o Judiciário estejam muito precavidos e cautelosos para que não haja uma ruptura. Temos que ter muito cuidado, é um momento crucial que vive a República brasileira devido a insanidade que hoje permeia o Planalto”, diz Luciano Bivar.
Vera Lúcia diz que Bolsonaro deseja impor uma ditadura no Brasil. “Por isso, buscou construir um governo sustentado pelos militares, saudosos do golpe de 1964. Suas ameaças golpistas precisam ser levadas a sério e combatidas com toda a nossa força, com mobilização direta nas ruas.”