Adonnys Diniz: SALVEM OS MISTÉRIOS DA VIDA E O CANTO DAS FITAS DAS MARIAS


A ideia da saudade me pegou de cheio neste dezembro iluminado. Papai Noel a desfilar nas ruas, presentes e piscas-piscas a iluminar árvores natalinas, nas ruas e casas, todo um clima que anuncia o advento; os palcos de mpb e forró nas confraternizações em nome da tradição e tudo isso sob o olhar magnânimo da Virgem de Guadalupe que desfilou majestosamente no seu dia de glória pelas nossas ruas, também centenárias, nos trazendo esperanças e paz; mas esperança e saudades é o que veste-nos nestes dias de comércio e feiras agitados que faz ruborizar as faces pálidas e secas de um calor nordestino e escaldante nos olhos arregalados e arretados dos cabra da ‘mulesta’ que aqui habitaram e que hoje cobertos de grifes e suas modernidades, aparantados de kits festas que não podem faltar os famosos copos stanley’s e seus whisky’s nem sempre originais e cervejas famosas para delírio das selfies nas redes sociais e não esquecendo do tão famoso energético um misto de socialização e status é o que precisamos para sobreviver. Esse sim é o kit festa perfeito do novo ‘cabra da peste’, descolado de hoje. Mas num tempo não muito distante, aqui também, a linda Virgem Morena, Mãe Celeste das minorias, era brindada e reverenciada com os parques grandiosos à luz de grandes gambiarras que anunciava festa e no adro da catedral com as tão esperadas danças e folguedos natalinos. Era tudo um sonho. as escolas de excelências educativas traziam os seus pastoris, o auto de natal nordestino ou o presépio vivo do menino Deus, o reisado, dentre outros, para alegria cultural e religiosa da população, todos embalados de muitas músicas populares, cores, fitas e flores sobre o reflexo dos espelhos dos chapéus bem arrumados. Era uma festa popular que reverenciava o sagrado e que de forma popular e por vezes profanas, evidenciava cada vez mais as tradições natalinas com seus ritos e arte da maior grandeza espontânea da população que se aglomerava para assisti-los e aplaudi-los.
Ao longo do tempo essas tradições eram mantidas e estimuladas pelo poder público que vibrava com os acontecimentos, tinham o seu palco garantido durante todo o mês de dezembro, hoje com o advento do atropelo e falta de identidade cultural, constantemente vemos nossa história e tradição sendo expostas e cultivadas erroneamente, o que é um erro histórico, educativo e cultural imperdoável.
As bandas de pífano não mais anunciam o nascimento do menino Deus em seus cortejos de rua e suas visitas aos lares, levando a mensagem santa e os acalorados e animados reisados já não cantam nem dançam os seus volteios iluminados que contam a saga do menino anunciado. E os cordões floridos dos pastoril, onde andam e onde perderam-se e em que tempo finda?
O azul e o encarnado já não falam de seus dotes e diferenças, de suas alegrias e investimentos, da exaltação a sagrada família, de sua beleza feminina e pura das mais belas moças da nossa sociedade que encantavam a todos com talento e fluidez de suas performances ensaiadas a exaustão de uma perfeita coreografia de rigor e vasto legado europeu.
No teatro popular do nascimento do Menino Deus já não escutamos o galo a cantar, a estrela a deslizar nos fios em movimento e a vontade do povo de se emocionar.
Tudo isso perdeu-se no tempo e na história tradicional do nosso berço e polo cultural que sem o devido sustento em todo o seu aparato cultural nenhum grupo se mantém vivo e atuante. É papel primordial da gestão pública salvaguardar a honra de seus mestres populares; é obrigação da educação e da cultura manter viva, robusta e representativa sua arte de legado. E assim eu pergunto: Porque não o fazem? Por que a cada ano e ano transfere-se para o povo e a sociedade essa responsabilidade do fazer e incentivar o fazer cultural do seu povo? Onde e com quem aprender, onde anda seus registros, sua discografia?
E continuo a me perguntar. Não seria o contrário?
Essa inversão perversa de valores, afasta-nos dos nossos reais propósitos educativos e culturais.
Numa cidade que é referência cultural em todo o estado, tais valores jamais deverão ser esquecidos e/ou equivocados e ocultados de nossas memórias e lembranças esperançosas.
Sem o verdadeiro entendimento e responsabilidades sociais e culturais a nossa educação expõe a nossa real fragilidade, inquietude e descontentamento com a perda dos nossos valores agregados ao pertencimento historicamente popular.
Toda programação cultural de nossa cidade tem por obrigação estar ligada e atrelada aos nossos reais costumes tradicionais e pedagógicos. Deveremos ter mais zelo e respeito a nossa história. Deveremos cultivar e manter de forma educativa e firme em nossas escolas projetos de salvaguardar a garantia das nossas raízes e esses folguedos com a esperança de que novos grupos formem-se e mantenham-se em evidência e operação de sabedoria e legado cultural. Que sigamos o exemplo de nossas cidades irmãs de Laranjeiras, São Cristóvão e Japaratuba que incentivam com afinco a formação de grupos folclóricos, sejam: infantil, juvenil e adulto, e mantém assim de forma brilhante suas manifestações ativas e vibrantes, que contagiam e incentivam, exibindo-as de forma glamourosa e gratuita em eventos culturais, religiosos e de ruas nas datas festivas e corretas de sua representação, para que o povo perceba-se dentro deste contexto litúrgico e antecedam-se em organização, desejo e vontade do fazer artístico cultural.
Chega de trazer erros culturais para sustentar programações equivocadas (reisado no ciclo junino) sem simbologia e respeito cultural.
As nossas manifestações de raiz e pertencimento em sua grande maioria trazidas e adaptadas da colonização europeia e muçulmana, não nasceram e não se firmaram ao longo da história sem motivo ou causa. Todas elas nascem de forma espontânea e enraizada no consciente da sabedoria popular e sobrevivem há séculos por terem em si a organicidade histórica que motiva a sua representação e memória cultural do seu povo, preservando com orgulho a sua participação ao longo do tempo. Assim é a cultura de um povo cordial e ordeiro, e assim também deve ser honrada e preservada pelo poder público.
Nossas honras e agradecimentos aos nossos mestres em vida Dona Benigna, Seu Antônio repentista, Dona Zefinha, Mestre Santos e muitos outros que nos representam e em memória , Zé Preá, Dona Zefinha do Pombal, Zé de Clara, dentre outros.
Aplausos sempre aos fazedores da nossa arte e que fazem da nossa cultura uma alma viva neste Berço Cultural.
É NOSSO PERTENCIMENTO DE DIREITO.

Adonnys Diniz

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