Até onde vai a radicalidade da Esquerda em Estância/SE?


por Yoran Rayckard, professor, historiador, MC, poeta e militante do PSOL SERGIPE.

No início do século XX, escreveu a militante polonesa Rosa Luxemburgo a sua principal obra: Reforma ou Revolução? (1900), hoje, vejo-me impelido a escrever: Até onde vai a radicalidade da Esquerda em Estância/SE?

Dito isso, faz-se necessário recuar precisamente 20 anos, ou duas décadas, deixo isso a critério dos leitores e leitoras. Sou historiador e não posso esquecer da temporalidade, tão necessária à análise histórica. Nesse caso específico, a delimitação do espaço de tempo compreendido entre 2004 e 2024 é a premissa básica de toda e qualquer análise esboçada no presente texto. Toda a análise está baseada no materialismo histórico e dialético, e na perspectiva da História como Mestra da VidaHistória Magistra Vitae).

Pois bem, nas eleições de 2004 o campo de esquerda apresentou duas candidaturas, a do Professor Rubens Marques pelo PT, que obteve 5.542 votos, e a candidatura de Joilson Menezes pelo PC do B, que obteve 964 votos, totalizando 6.506 votos para o projeto democrático e popular na cidade de Estância naquele ano. Só a título de informação, nas eleições de 2000 o PT lançou candidatura própria, em aliança com o PC do B, o candidato foi o radialista Eduardo Abril que obteve 612 votos. Aqui, cabe pontuar que a chapa de Joilson Menezes composta pelos partidos PC do B e PCB, não fez composição com o Partido dos Trabalhadores, mesmo ambos se posicionando na mesma ala ideológica. Um primeiro indício do viés que o PT adotou, a tática da conciliação de classes, estratégia Nacional do partido, e que em Estância sempre foi a escolha da militância petista, conforme demonstram os dados e os fatos.

Em 2008 o PT abandona a disputa dos rumos da cidade e decide apoiar Filadelfo Alexandre, contudo, a esquerda deu um suspiro de coragem e ousadia, vendo figurar pela primeira vez na disputa o nome de Márcio Souza. Naquela eleição Marcio ia para a sua segunda disputa eleitoral, isso porque ele havia estreado dois anos antes na disputa para o Legislativo Estadual. Na disputa municipal de 2008 a chapa foi simples e pequena, PSOL e PCB. Nesse mesmo pleito, o PC do B já havia capitulado da posição combativa demonstrada na eleição anterior e juntou-se ao PT em apoio a Filadelfo Alexandre do PMDB. Aqui cabe um registro importante, a conjuntura nacional era extremamente favorável ao Partido dos Trabalhadores, Lula era presidente e o Brasil vivia um dos seus melhores momentos em termos econômicos e sociais. Ou seja, era hora de firmar posição e demarcar o espaço fazendo a disputa novamente com o professor Dudu como candidato a prefeito do partido. Bom para Estância, bom para o PT em Sergipe e no Brasil, governando uma cidade muito importante para o estado nordestino. Em contrapartida, o PSOL era um partido incipiente e estreante na disputa municipal, nacionalmente, o partido foi fruto de uma dissidência do PT e se apresentou como uma alternativa mais à esquerda e revolucionária que a sigla onde foi gestado. Em 2008 na cidade Estância, obteve 921 votos através da candidatura majoritária de Márcio Souza.

2012 é o ano em que o campo democrático e popular volta a apresentar dois nomes para disputar os rumos da Cidade Jardim de Sergipe, são eles: Joaldo Santos pelo PT e Márcio Souza pelo PSOL. Aparentemente um cenário positivo, efetivamente, um cenário de falta de unidade com uma candidatura para não passar batido, apresentada pelo Partido dos Trabalhadores. Se o PSOL se organizou e se projetou nos 4 anos que antecederam as eleições de 2012, não se pode dizer o mesmo do PT, que apresentou o nome de Joaldo Santos sem que fosse uma candidatura consensual nas bases e entre a militância do partido em Estância. Ainda assim, vindo de uma eleição sem candidatura própria, e com todos os percalços já elencados, Joaldo Santos obteve pelo Partido dos Trabalhadores 1.206 votos, uma queda considerável se comparado à última disputa feita pelo PT com candidatura própria, em 2004 com o Professor Dudu. Márcio Souza, apresentou um desempenho muito plausível, haja vista, o tamanho do seu partido naquele momento, bem como, a sua recente participação como candidato nas eleições majoritárias municipais, apenas a sua segunda disputa. Márcio obteve 2.339 votos nas eleições municipais de 2012, o que lhe rendeu a terceira posição na disputa, com uma parcela de 7,08% dos votos válidos para prefeito.  Outro ponto que vale destaque é o fato de o Partido dos Trabalhadores já possuir representação no Legislativo Municipal desde 1997, diferente do recém-chegado PSOL, que ainda assim, sem vereadores, superou na disputa majoritária daquele ano o PT.

2016 foi um ano marcante para o PSOL, ano de boom, ano de ascensão total. É fundamental demarcar que até esse momento, o Partido Socialismo e Liberdade, sempre fez a disputa sem a ampliação do seu arco de alianças. Em 2008, 2012 e 2016 o PSOL sempre compôs somente com o PCB, demonstrando a importância de um projeto combativo e verdadeiramente popular. Nesse mesmo período o partido cresceu nacionalmente, ampliando a sua bancada de deputados e senadores, como também, elegendo prefeitos e vereadores em diversos municípios do Brasil. Nas eleições de 2016 o PT voltou a retroagir e não apresentar candidatura própria ao Executivo Municipal, apoiou o candidato à reeleição e ex-prefeito de Estância, Carlos Magno. Essa aliança foi fruto de um acordo entre Carlos Magno e os dirigentes municipais do PT, com as devidas ressalvas, claro! Carlos Magno, então eleito pelo DEM, migrou para o PSB para receber o apoio dos companheiros do Partido dos Trabalhadores, que mesmo conciliadores, definiram em sua estratégia nacional não compor com o DEMOCRATAS, até então, partido do prefeito Carlos Magno. Feito os devidos ajustes, saíram todos juntos, e todos juntos foram derrotados e superados pela militância aguerrida do PSOL e PCB, que daí então consolidou-se como o novo polo da esquerda em Estância, ainda sem conquistar uma vaga no Legislativo da cidade.

Em 2020 o PT volta a disputa e apresenta Dominguinhos Machado como candidato majoritário. Nesse momento o PSOL através da candidatura de Márcio Souza era a principal força de oposição em Estância, fato que não foi o suficiente para aglutinar em suas alianças o Partido dos Trabalhadores. Um equívoco e um erro grave da militância petista, que até então não botava fé na figura de Márcio Souza, mesmo o candidato do PSOL tendo demonstrado através dos seus 9.556 votos em 2016, ser o grande expoente e o novo nome da esquerda na cidade berço da cultura sergipana. A candidatura de Dominguinhos obteve 1.691 votos naquele ano, o que representa um leve crescimento em comparação com a candidatura de Joaldo Santos, que obteve 1.206 votos, 8 anos antes, última candidatura do PT ao Executivo Municipal. Maior que o erro dos petistas foi o erro do PSOL e do seu candidato Márcio Souza, que em aliança com o PSB de Carlos Magno e o PDT, foi para uma disputa polarizada e com cheirinho de vitória. Ficou só no cheirinho mesmo, pois o povo de Estância não digeriu bem a subida no palanque do combativo Márcio Souza de velhas figuras por ele rechaçadas há décadas. Vou me ater a essa informação, pois os nomes, toda a população de Estância sabe, e a resposta necessária ao candidato camaleónico foi dada pelo povo nas urnas. Pode parecer que o povo é despolitizado, talvez até seja, mas bobos e idiotas NÃO! A contradição  mostrou-se um erro irreparável. Marcio Souza e o PSOL não só perderam a eleição, saíram desmoralizados e sem credibilidade do pleito da quase vitória ‘democrática e popular’, que naquele ano, trazia também elementos militaristas e elitistas – uma contradição em si, para uma candidatura do Partido Socialismo e Liberdade.

A culminância de todo esse processo foi as eleições de 2024, uma derrota massacrante para a esquerda e todo o campo democrático e popular. Posição é uma premissa básica para qualquer candidato de oposição, seja ele de qual campo for. Sendo da esquerda, o sarrafo sobe ainda mais, pois na base das ideias que norteiam esse campo político existe um elemento chamado de práxis. A práxis é a efetivação da teoria, é a materialização do processo histórico e dialético, é a empiria da militância defendida em palavras e ideias. Quando a contradição se efetiva como um fato, é quase impossível contorná-lo, é quase um ponto sem volta. Se o PSOL sempre se posicionou como diferente, sempre militou e construiu de forma diferente, sempre defendeu e verbalizou um discurso diferente – e que em alguma medida foi entendido e aceito pelo povo estanciano -, esse mesmo partido, jogou no limbo toda a sua credibilidade com o povo, engolindo o seu discurso e fazendo tudo ao avesso do que sempre pregou, numa incursão impensada do poder pelo poder. O imediatismo fez Márcio Souza e os aguerridos militantes do PSOL desfilarem nas ruas de Estância/SE ao lado dos seus principais algozes. O resultado do PDT e do seu candidato JF no pleito de 2024, foi uma lição difícil e muito dura ao campo democrático e popular, principalmente aos militantes da esquerda em Estância/SE. Se foi necessário 03 eleições para Marcio Souza e o PSOL chegarem a marca dos 13 mil votos, a Joaquim bastou um bom desgaste, um campo progressista apático nos 4 anos que antecederam as eleições de 2024, e, tão somente, 01 pleito – favorável e fértil – para chegar ao mesmo patamar de votos do seu adversário. Há quem diga que foi tudo dinheiro, o que eu duvido, acho que o sentimento de antipatia aos nomes de sempre foi a tônica da vez. Se a tão sonhada unidade da esquerda foi conquistada, e avalio como um ponto extremamente positivo, – que vai para além das urnas e da disputa institucional -, é hora de disputar nas ruas,  as mentes e os corações estancianos novamente. A decepção do campo democrático e popular jamais será maior que a decepção do povo em 2020. É tempo de esperançar, de pensar novas estratégias e novos nomes, de retomar o trabalho de base e fazer ampliar a consciência do povo trabalhador da nossa cidade. A pergunta fica para que possamos avançar de verdade e com coerência, conciliação de classes nunca vai ser a saída para os problemas de quem é real e vive os dilemas e desafios de uma vida real. Se a esquerda em Estância/SE desde 2004 até aqui sempre oscilou entre conciliar e avançar, a escolha certa deveria ter sido reconciliar com os nossos iguais, reconciliar o campo democrático e popular e os partidos que o compõem; acreditem, não é tarde! Para além disso, devemos pensar a região Sul como um todo, como um conjunto que deve progredir em harmonia, a esquerda precisa formular e construir uma estratégia de retomada pela base, fortalecendo associações, cooperativas, grêmios, ongs, entidades do movimento sindical, entidades do movimento camponês e rural, entidades das periferias e da juventude, movimento negro e demulheres, movimento LGBTQIAPN+, enfim, todas e todos os trabalhadores e cidadãos que constroem as riquezas da nossa região – mas infelizmente ainda desfrutam muito pouco delas. Como disse Niully e Alexis para Aracaju, digo para a esquerda de Estância e de toda a Região Sul do nosso Estado: CORAGEM ESQUERDA, CORAGEM! Os desafios são inúmeros e a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna é responsabilidade de cada um de nós, assuma o seu fardo na mudança que você almeja.

 

Referências:

 

LUXEMBURGO, Rosa. Reforma Ou Revolução?. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2019. 160 p.

TUNG, Mao Tsé. Sobre a Prática e Sobre a Contradição. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2019. 80 p

Resultado da Eleição. Disponível em: https://sig.tse.jus.br/ Acessado em: 21.10.2024.

FELIPE, Cleber Vinicius do Amaral. Historia magistra vitae e sua (des)continuidade em Pinheiro Chagas. Remate de Males, Campinas, SP, v. 41, n. 2, p. 449–466, 2021. DOI: 10.20396/remate.v41i2.8663464. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/view/8663464. Acesso em: 21 out. 2024.

 

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.