Funaro diz que Temer recebeu R$ 2,5 milhões de propina do grupo Bertin
Operador financeiro disse acreditar que dinheiro foi repassado ao presidente via doações oficiais ao PMDB. Grupo Heber, que reúne os negócios da família Bertin, informou que não vai se pronunciar.
O operador financeiro Lúcio Funaro afirmou nesta terça-feira (31), em depoimento à Justiça Federal de Brasília, que o presidente Michel Temer recebeu R$ 2,5 milhões de propina do grupo empresarial Bertin como contrapartida pela liberação de financiamento do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS), administrado pela Caixa.
Em nota, a assessoria da Presidência afirmou que Temer “contesta de forma categórica qualquer envolvimento de seu nome em negócios escusos, ainda mais partindo de um delator que já mentiu outras vezes à Justiça”.
“Em 2010, o PMDB recebeu R$ 1,5 milhão em três parcelas de R$ 500 mil como doação oficial à campanha, declarados na prestação de contas do diretório nacional do partido entregue ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Os valores não têm relação com financiamento do FI-FGTS”, diz trecho do comunicado do Palácio do Planalto.
O grupo Heber, que reúne os negócios da família Bertin, informou que não vai se pronunciar sobre a declaração de Lúcio Funaro.
Conforme o operador financeiro, o pagamento do grupo Bertin tinha relação com investimento na área de energia. À época do aporte do FI-FGTS, o atual secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, ocupava a vice-presidência de Fundos e Loterias da Caixa, responsável pela gestão do FI-FGTS.
Delator da Lava Jato, Funaro disse à Justiça acreditar que o repasse a Temer ocorreu por meio de doações oficiais ao diretório nacional do PMDB.
Segundo ele, após obter o financiamento com recursos do fundo, o empresário Natalino Bertin acertou o repasse de valores a políticos, sendo que parte da propina teria sido paga por meio de doações oficiais.
“Quando foi para definir como é que seria a divisão do montante que o Natalino disponibilizou para doações, se eu não me engano, o deputado Eduardo Cunha ficou com 1 milhão, 2 milhões, 2,.5 milhões foram destinados ao presidente Michel Temer, e um valor de 1 milhão também, 1,5 milhão, destinado ao deputado Candido Vaccarezza”, afirmou o doleiro.
Ainda de acordo com Funaro, os ex-deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Cândido Vaccarezza (Avante-SP) também receberam suborno da Bertin para avalizar a liberação de financimento para o grupo.
A defesa de Cunha afirmou que “nada do que Lucio Funaro disse tem comprovação em documentos, a não ser as planilhas elaboradas por ele mesmo. Segunda-feira Eduardo Cunha esclarecerá todas as acusações”.
O G1 não havia conseguido contato com a defesa de Vaccarezza até a última atualização desta reportagem.
Réu na Operação Sépsis – desdobramento da Lava Jato que investiga suposto esquema de propinas envolvendo financiamentos do FI-FGTS –, Lúcio Funaro fez acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República (PGR).
Propina do grupo Bertin
Funaro já havia mencionado pagamento de propina do grupo Bertinem seu acordo de delação com a PGR, mas, à época, ele não havia detalhado o pagamento a Temer. Na delação, o doleiro tinha explicado aos investigadores que empresas pagavam propina em troca de facilidades na liberação dos recursos do FI-FGTS.
Na delação premiada, Funaro havia afirmado que distribuiu os R$ 12 milhões de propina do grupo Bertin da seguinte forma:
- 65% para Moreira Franco
- 25% para Cunha
- 15% para ele próprio
Nesta terça, Funaro detalhou ainda mais essa operação no depoimento à Justiça Federal. Segundo ele, Moreira Franco atuou, à época em que ocupou a cadeira de vice-presidente da Caixa, para liberar dentro do banco os recursos solicitados pelo grupo Bertin.
De acordo com o operador financeiro, em meio à campanha eleitoral de 2010, um encontro em um hotel definiu valores de doações para as campanhas políticas.
Procurado para comentar as acusações de Funaro, o ministro Moreira Franco disse, a respeito do delator, que “uma pessoa que vive da delinquência necessariamente vive da mentira”.
Acusações a Joesley
Ao longo do depoimento desta terça, Funaro respondeu perguntas feitas pela defesa de Cunha. Parte do questionário tratou da relação do doleiro com o empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, que está preso atualmente após um controverso acordo de delação com a PGR.
Segundo Funaro, Joesley é um “ladrão” e “roubou” Cunha, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o próprio Funaro ao não pagar a comissão acertada na compra da empresa Alpargatas, que fabrica as sandálias Havaianas, pela J&F.
“O que ele roubou de mim, do deputado Eduardo Cunha e do Geddel Vieira Lima, só de Alpargatas, seriam R$ 81 milhões”, afirmou.
Conforme o doleiro, Joesley deveria ter pago 3% em relação aos R$ 2,7 bilhões da operação, realizada em 2015.
Funaro contestou os valores de uma planilha entregue por Joesley, que registra a relação financeira entre os dois.
“Eu tenho a receber dele R$ 41 milhões mais ou menos de dinheiro lícito [de Joesley]. Se for calcular o ilícito junto, vai dar 120 poucos milhões de reais, porque ele deu um tombo nessa operação da Alpargatas em mim, no deputado Eduardo Cunha e no Geddel Vieira Lima”, ressaltou Funaro.
“Quem paga juro e recebe juro é banco, eu nunca vi pagar juro e receber juro de dinheiro ilegal”, ironizou.
Questionado pelo advogado de Cunha sobre as condições do acordo de delação com a PGR, Funaro disse que delatou de “livre e espontânea vontade” e que foi tratado de forma “severa”.
“Eu resolvi que eu prefiro não ter nada e ter paz, do que ter tudo e não ter paz”, disse.
Funaro ainda afirmou, ao final do depoimento, que está disposto a fazer um teste de polígrafo diante de Cunha, que na semana rebateu as afirmações feitas pelo doleiro.
“Eu vou desmentir tudo. É uma repetição do que já está na delação e, no meu interrogatório, eu vou fazer a minha defesa e mostrar as mentiras que estão sendo faladas”, disse Cunha na última semana, depois de uma audiência para o interrogatório dos réus no processo em questão.