O Silêncio Barulhento dos Seus Olhos
Fábio Sabath escancara suas vulnerabilidades num espetáculo de movimento, subjetividade e interação.
Foto: João Pedro
Na noite do último sábado (29/04), o coreógrafo e bailarino Fábio Sabath apresentou a um pequeno grupo de atentos espectadores seu mais novo espetáculo de dança contemporânea O Silêncio Barulhento dos Seus Olhos. Eu estava lá em seu Centro de Movimento e Arte e o que presenciamos foram momentos de absoluta entrega e provocação.
Antes mesmo de entrarmos no salão de dança Lú Spinelli, onde ocorrem regularmente as aulas do Centro, ouvimos da anfitriã Carla Laíse que participaríamos de um jogo. Tímido e inseguro que sou em relação a expressões corporais, caminhei preocupado para dentro da sala.
Eu ficaria bem.
Ao entrarmos, porém, a performance já havia começado: Sabath descansava de olhos fechados, trajando apenas uma calça preta, numa poltrona no canto da sala. Recebidos por esse estranho impacto, todos nos acomodamos de olhos fixados na cena.
O que se seguiu foi um espetáculo incrível de arte experimental. Abrindo o show com um pequeno prelúdio teatral, Fábio nos convida para dentro da mente de um personagem em absoluto conflito com suas vozes interiores. Expectativas, frustrações e medos vêm à tona e estabelecem a atmosfera do primeiro ato.
A dança começa a seguir, com Sabath mostrando toda a sua musicalidade e bom gosto na escolha do repertório numa coreografia inicial. Mas conforme fomos alertados antes, fazíamos agora parte de um jogo perigoso de estímulos e reações, no qual convidados selecionavam cartas misteriosas e as liam em voz alta. Cada palavra ou frase poderia colocá-lo num estado de serenidade e contemplação, ou absoluto desespero e agonia, ou mesmo o lançava à simples exploração de um conceito musical, tudo expresso através de seu corpo leve, hábil e intenso.
Navegar as fragilidades e histórias visuais do bailarino através das expressões de seu corpo foi uma valiosa experiência. Nos fez refletir sobre a importância da subjetividade e das inteligências que se desenvolvem fora das pequenas prisões da linguagem verbal. Parecia haver um tema constante de busca por uma suposta paz, que se encontra além da trágica condição humana no mundo físico. Mas como bem observou a poetisa Thalita Síntique, num bate-papo depois do espetáculo, não havia de fato muito a ser dito e explicado, apenas arte a ser absorvida em seu próprio reino de sensações.
Fábio Sabath encerra a performance nos surpreendendo com sua voz entoando um belíssimo canto, etéreo e soturno, com a frase que batizava aquele momento, “o silêncio barulhento dos seus olhos”. Fazendo jus ao nome daquele lugar, havia em seu espetáculo movimento narrativo, físico e agora espiritual. Foi o brinde perfeito: após uma apresentação cheia de canções sem letra e cantos dissonantes, Sabath nos resgata de uma espécie de transe com palavras. Elas nos arrebatam de volta ao conforto familiar da canção, mas ainda nos remetendo àquele mundo onde estivemos há pouco. Um mundo de sombras, vulnerabilidade, ideias disformes e sensações primais. Sentimentos que habitam um silêncio profundo em cada um de nós, onde às vezes as palavras não fazem tanto sentido e são substituídas pelos barulhos inevitáveis da nossa alma.
Obrigado, Fábio Sabath, sobretudo por empreender uma batalha solitária e quase quixotesca: a de formar público de arte contemporânea numa cidade como a nossa. E por nos conduzir nessa viagem incrível, provocar diálogos sobre o fazer cultura em Estância e por se erguer diante das dificuldades que se agigantam sobre a classe artística. Estamos ao seu lado.
Por Ivan Reis
Encantado e agradecido pela presença de todos.
momento marcante para quem assiste.